Edição 32/100 + 10 PAs
Fontes, 1992/2008
Dedicado a Alfredo Fontes
por Cildo Meireles
Para mim, esse trabalho tem suas raízes em 3 stoppages étalon [3 paradas padrão 1913-14], de Marcel Duchamp. As réguas do acaso.
Comecei a pensar sobre o projeto e naturalmente fui direto para a instância do espaço e do tempo. Os relógios são instrumentos paradigmáticos para medir o tempo, assim como as réguas são para o espaço. Comecei a pensar em algo que pudesse unir essas duas unidades. O interessante foi que, se eu usasse algo com réguas, essa ideia de medição e o relógio, eu teria duas estruturas e uma base para montar algo: uma peça sonora e visual.
Isso uniria música e artes visuais. No início de 1991, fui a Ghent para conhecer Jan Hoet, o curador da Documenta IX (1992). Ele funcionava em um caos e estava totalmente agitado.
Começou a falar e a explicar na lousa a ideia de sua Documenta. O conceito da Documenta IX era o deslocamento.
E a única coisa que eu estava levando para Hoet era a ideia para este trabalho: um kit contendo quatro fragmentos de cada uma das réguas - que meu amigo Alfredo Fontes fez - e os relógios - na época eu queria um e uma espécie de maquete visual do trabalho, em papelão, que sugeria as réguas suspensas. Jan Hoet ouviu minha ideia, ficou entusiasmado e financiou o projeto. A ideia de cobrir o chão com relógios era impraticável, então decidi colocar os números no chão e levantar os relógios... Essa é a história da peça. A nota triste é que, quando eu estava fazendo os desenhos das réguas que seriam usadas na peça, meu grande amigo Alfredo Fontes morreu. Essa é uma das razões pelas quais a peça é dedicada a ele. Daí o título Fontes.
A criação de uma trilha sonora para a obra foi fundamental, pois, além de enfatizar o sistema que você tinha nos relógios e nas réguas, você também estava criando uma espécie de cortina de isolamento; criando um contraponto com a sensação de isolamento que você teria no centro da peça, o local onde estava a maioria das réguas, que, portanto, se tornava inexpugnável.
Você sabia que havia alguém muito próximo a você, mas não tinha ideia de quem era; não havia como saber. Acho que o fato de se perder, de se tornar altamente “individuado”, sozinho, isolado no espaço da peça é muito interessante.
Se Fontes não tivesse uma parede e você pudesse olhar para ela de cima, veria uma espiral dupla, uma estrutura que se move em direção a um centro e se torna cada vez mais densa. Visto de lado, era também uma projeção da Via Láctea. Eu usei a Via Láctea como modelo. Então, na verdade, é uma decomposição da Via Láctea.
Como a maioria dos trabalhos que fiz desde 1979-80, planejei três versões desse trabalho. Chamo a primeira (a peça da Documenta) de Van Gogh: as réguas são pretas sobre amarelo. Preto sobre amarelo é uma combinação paradigmática para réguas e sinalização.
Na segunda versão da peça, que estou fazendo para Londres, as réguas e os relógios são feitos em preto sobre branco; a escolha das cores é puramente estética. A régua seria branca e a numeração seria preta. Chamo essa versão de Bauhaus.
Na terceira versão, na qual ainda estou trabalhando, haverá números fosforescentes em um fundo azul.
O som que faz parte do trabalho é muito mais sutil ou discreto do que o de um “relógio”, porque ele é movido a bateria, mas mesmo assim você tem esse som do relógio porque é um objeto mecânico. (Cildo Meireles) IN: catalogo editado pela Tate Modern da exposição itinerante Cildo Meireles, 2008. Págs 164 e 166.