Kuenan Tikuna_Alexia Tala

Metáforas de Fluidez e Resistência na Obra de Kuenan Tikuna

Por Alexia Tala

Kuenan Tikuna, uma artista trans indígena dos povos Tikuna e Tariano, explora em sua obra a fluidez de gênero, entrelaçando essa temática com a cosmovisão ancestral de suas comunidades. Para a artista, a identidade de gênero é um processo de transformação constante, um fluxo que reflete tanto as mudanças na natureza quanto na experiência humana. Essa visão da identidade como um contínuo, em vez de algo fixo, é central em sua obra, onde as figuras humanas e naturais se fundem, simbolizando a interconexão e a fluidez que caracterizam sua perspectiva. Nas culturas Tikuna e Tariano, existe uma profunda inter-relação entre os seres humanos e a natureza, que se manifesta na maneira como Kuenan aborda a identidade de gênero, os sonhos e as histórias ancestrais. Os Tikuna, por exemplo, dividem seus clãs em "com penas" e "sem penas", representando aves e outros elementos naturais. Esse simbolismo permeia a obra de Kuenan, onde as figuras transitam entre o humano e o natural, rejeitando e expandindo as imposições binárias de gênero. A visão de mundo Tariano também influencia sua obra, especialmente a figura da “Cobra Canoa”, criadora dos rios, que a artista utiliza como uma metáfora da transformação. Essa entidade, que dá vida aos rios, reflete a fluidez da água, um símbolo que a artista associa à identidade de gênero. Para ela, a identidade não é estática, mas um fluxo constante, um processo que encarna tanto o masculino quanto o feminino, o humano e o divino. Para plasmar essa visão, Kuenan recorre a uma técnica profundamente enraizada nas tradições de seu povo: o uso do tururi como suporte para suas pinturas. O tururi, um material sagrado extraído da árvore Tururizeiro, é coletado apenas durante a lua cheia, um momento de grande significado espiritual para os Tikuna. A coleta e preparação do tururi é um ritual que conecta a artista com seu território e sua cultura, simbolizando também a resistência cultural frente à homogeneização contemporânea. O processo de trabalho com o tururi é mais do que uma técnica artística; é um ato de comunhão com a natureza e um símbolo da luta pela preservação da identidade indígena. Depois de ser coletado, o tururi é imerso em rios de água pura e esticado até se tornar uma lâmina fina e maleável. Para Kuenan, esse material é um testemunho da resistência cultural e espiritual de seu povo, e cada obra que cria nele carrega consigo a essência de sua terra e sua. As imagens que ela plasma no tururi usando pigmentos naturais para criar suas pinturas refletem sua cosmovisão fluida, onde a natureza, os seres humanos e os espíritos ancestrais coexistem em um contínuo de vida e transformação. O tururi se torna assim mais do que uma simples tela: é um espaço onde a resistência cultural e a identidade trans se entrelaçam. A obra de Kuenan é uma manifestação de sua cosmovisão e da fluidez de gênero como eixo central. Através de sua obra, não apenas expressa as lutas e esperanças de sua comunidade, mas também convida a refletir sobre a identidade, a natureza e a justiça social. Seu trabalho é uma ponte entre o ancestral e o contemporâneo, onde a resistência cultural e a fluidez da identidade se fazem presentes.